Direito Constitucional - Justiça Social - Direitos Humanos

Direito Constitucional - Justiça Social - Direitos Humanos

sábado, 26 de outubro de 2013

EXAME OAB/fgv - Comentários - Ética/Regulamento/Estatuto 1

Comentários - Ética/Regulamento/Estatuto da OAB - Exame Unificado FGV -
- Trechos da obra do Prof. Felipe José Minervino Pacheco - TODOS DIREITOS RESERVADOS [copyrights])

EXAME DE ORDEM UNIFICADO – 2010.2

81. Renato, advogado em início de carreira, é contactado para defender os interesses de Rodrigo que está detido em cadeia pública. Dirige-se ao local onde seu cliente está retido e busca informações sobre sua situação, recebendo como resposta do servidor público que estava de plantão que os autos do inquérito estariam conclusos com a autoridade policial e, por isso, indisponíveis para consulta e que deveria o advogado retornar quando a autoridade tivesse liberado os autos para realização de diligências.

À luz das normas aplicáveis:

A) o advogado, diante do seu dever de urbanidade, deve aguardar os atos cabíveis da autoridade policial.

B) o acesso aos autos, no caso, depende de procuração e de prévia autorização da autoridade policial.

C) no caso de réu preso, somente com autorização do juiz pode o advogado acessar os autos do inquérito policial.

D) o acesso aos autos de inquérito policial é direito do advogado, mesmo sem procuração ou conclusos à autoridade policial.

Gabarito: letra D.

De acordo com o art. 7º da Lei nº8.906/94 (com intuito de facilitar, usaremos a sigla EOAB) é direito do advogado o exame em qualquer repartição policialmesmo sem procuração – a autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos.[1] 

Sobre a comunicação com cliente preso, a tutela do sigilo envolve o direito do advogado de comunicar-se pessoal e reservadamente com este, sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos agentes policiais, mesmo quando ainda não munido de procuração. O descumprimento dessa regra importa crime de abuso de autoridade (art. 3º, “f”, da Lei n. 4.898/65 com a redação da Lei n. 6.657/79).

Nesse sentido elencamos decisão do STF que:

1. O acesso do advogado ao preso é consubstancial à defesa ampla garantida na Constituição, não podendo sofrer restrição outra que aquela imposta, razoavelmente, por disposição expressa da lei. 2. Ação penal instaurada contra advogado, por fatos relacionados com o exercício do direito de livre ingresso os presídios. Falta de justa causa reconhecida” (RHC 51.778).

 

§ Advogado. Investigação sigilosa do MPF. Sigilo inoponível ao patrono do suspeito ou investigado. É direito do advogado, suscetível de ser garantido por HC, o de, em tutela ou no interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos elementos de procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do MP, digam respeito ao constituinte. (STF,2ª T.,HC88190-RJ.rel. Min Cezar Peluso,j.29.8.2006,v.u.,DJU 6.10.2006,p.67)

 

EAOAB[2]

DOS DIREITOS DO ADVOGADO[3]

Art. 6º Não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.

Parágrafo único. As autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho.

 

Art. 7º São direitos do advogado:

VI – ingressar livremente:

  a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados;

  b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares;

  c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado;

  d) em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deve comparecer, desde que munido de poderes especiais;

 VII – permanecer sentado ou em pé e retirar-se de quaisquer locais indicados no inciso anterior, independentemente de licença;

 

82. Mauro, advogado com larga experiência profissional, resolve contratar com emissora de televisão, um novo programa, incluído na grade normal de horários da empresa, cujo titulo é “o Advogado na TV”, com o fito de proporcionar informações sobre a carreira, os seus percalços, suas angústias, alegrias e comprovar a possibilidade de sucesso profissional.

No curso do programa, inclui referência às causas ganhas, bem como àquelas ainda em curso e que podem ter repercussão no meio jurídico, todas essas vinculadas ao seu escritório de advocacia.

Consoante as normas aplicáveis, é correto afirmar que:

A) a participação em programa televisivo está vedada aos advogados.

B) a publicidade, como narrada, é compatível com as normas do Código de Ética.

C) o advogado, no caso, deveria se limitar ao aspecto educacional e instrutivo da atividade profissional.

D) programas televisivos são franqueados aos advogados, inclusive para realizar propaganda dos seus escritórios.

Gabarito: letra C.

                Pode o advogado participar de programa televisivo, porém, devendo restringir-se ao aspecto educacional e instrutivo da sua atividade. Ademais, como reza o art. 32 do Código de Ética e Disciplina da OAB (CED) em seu §ú, deve o advogado evitar: insinuações, pronunciar-se sobre método de trabalho de colega causídico, bem como a auto-promoção pessoal ou profissional.

CED

Art. 32. O advogado que eventualmente participar de programa de televisão ou de rádio, de entrevista na imprensa, de reportagem televisionada ou de qualquer outro meio, para manifestação profissional, deve visar a objetivos exclusivamente ilustrativos, educacionais e instrutivos, sem propósito de promoção pessoal ou profissional, vedados pronunciamentos sobre métodos de trabalho usados por seus colegas de profissão.

Parágrafo único. Quando convidado para manifestação pública, por qualquer modo e forma, visando ao esclarecimento de tema jurídico de interesse geral, deve o advogado evitar insinuações a promoção pessoal ou profissional, bem como o debate de caráter sensacionalista.

Art. 33. O advogado deve abster-se de:

I – responder com habitualidade consulta sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social, com intuito de promover-se profissionalmente;

II – debater, em qualquer veículo de divulgação, causa sob seu patrocínio ou patrocínio de colega;

III – abordar tema de modo a comprometer a dignidade da profissão e da instituição que o congrega;

IV – divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas;

V – insinuar-se para reportagens e declarações públicas.

Art. 34. A divulgação pública, pelo advogado, de assuntos técnicos ou jurídicos de que tenha ciência em razão do exercício profissional como advogado constituído, assessor jurídico ou parecerista, deve limitar-se a aspectos que não quebrem ou violem o segredo ou o sigilo profissional.

IV EXAME DE ORDEM UNIFICADO – TIPO 1 – BRANCO – 2011.1
1. Esculápio, advogado, inscrito, há longos anos, na OAB, após aprovação em Exame de Ordem, é surpreendido com a notícia de que o advogado Sófocles, que atua no seu escritório em algumas causas, fora entrevistado por jornalista profissional, tendo afirmado ser usuário habitual de drogas. A entrevista foi divulgada amplamente. Após conversas reservadas entre os advogados, os termos da entrevista são confirmados, bem como o vício portado. Não há acordo quanto a eventual tratamento de saúde, afirmando o advogado Sófocles que continuaria a praticar os atos referidos.
Diante dessa narrativa, à luz da legislação aplicável aos advogados, é correto afirmar que:
A) não há penalidade prevista, uma vez que se trata de questão circunscrita à Saúde Pública.
B) o advogado pode ser excluído dos quadros da OAB.
C) a sanção disciplinar se aplica a eventual uso de drogas.
D) no caso em tela, há sanção disciplinar aplicável.
Gabarito: letra D.
                De acordo com o art. 34, XXV, e em seu §ú, “c” (EOAB), tanto a toxicomania como a embriaguez – desde que habituais - são tidas como condutas incompatíveis com a advocacia; ademais, o advogado que habitualmente incorra em tais condutas incompatíveis está sujeito à pena de suspensão, o que não ocorre na hipótese da eventualidade da conduta (uso eventual). Acima, em outra questão, já elencamos as hipóteses e casos de cada uma das infrações disciplinares. 
EAOAB
Art. 34. Constitui infração disciplinar:
XXV – manter conduta incompatível com a advocacia;
Parágrafo único. Inclui-se na conduta incompatível:
a) prática reiterada de jogo de azar, não autorizado por lei;
b) incontinência pública e escandalosa;
c) embriaguez ou toxicomania habituais.
 
2. Os advogados Pedro e João desejam estabelecer sociedade de advogados com o fito de regularizar o controle dos seus fluxos de honorários e otimizar despesas. Estabelecem contrato e requerem o seu registro no órgão competente. À luz da legislação aplicável aos advogados, é correto afirmar que:
A) é possível a participação de advogados em sociedades sediadas em áreas territoriais de seccionais diversas.
B) o Código de Ética não se aplica individualmente aos profissionais que compõem sociedade de advogados.
C) podem existir sociedades mistas de advogados e contadores.
D) a procuração é sempre coletiva quando atuante sociedade de advogados.
Gabarito: letra A.
                É possível a participação de advogados em sociedades sediadas em áreas territoriais de diferentes seccionais; é o que aponta o art. 15, §4º, do EAOAB (Lei 8906/94). Porém, é absolutamente vedada a hipótese de sociedade de advogados que realize atividades estranhas à advocacia, ou que inclua sócio não inscrito como advogado (art. 16, caput, do EAOAB).
                Com relação à aplicação individual do Código de Ética e Disciplina aos componentes da sociedade de advogados (art. 33 do EAOAB) e à própria sociedade (art. 15, §2º, do EAOAB), dizemos que estão igualmente submetidos às regras ético-profissionais que regem a atuação de todos os profissionais da advocacia.
                No mais, a procuração deve ser outorgada sempre individualmente (art. 15, §3º, do EAOAB), mesmo que quando atuante uma sociedade de advogados.
De acordo com LÔBO[1], a divulgação da advocacia encarta-se na temática da ética profissional e de exclusividade, configurando atividade especifica que não permita estar coligada a qualquer outra, estando vedada toda e qualquer divulgação conjunta à outra atividade, não importando sua natureza civil, comercial, econômica, não lucrativa, publica ou privada.
No entanto, nada impede que o advogado exerça outras atividades, econômicas ou não, contudo, esta jamais poderá estar associada à advocacia em caráter permanente, quando a oferecer seus serviços profissionais. De igual modo, nenhuma outra atividade poderá ser divulgada incluindo a advocacia, ainda que esta seja uma empresa que a ofereça como prestação secundária de serviços a seus clientes.
A violação deste dever previsto no Código de Ética e Disciplina (art.28), importa infração disciplinar sujeita a sanção de censura (art.36,II e III, do Estatuto).
 
EAOAB
      CAPÍTULO IV
DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS
Art. 15. Os advogados podem reunir-se em sociedade civil de prestação de serviço de advocacia, na forma disciplinada nesta Lei e no Regulamento Geral.
§ 1º A sociedade de advogados adquire personalidade jurídica com o registro aprovado dos seus atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede.
§ 2º Aplica-se à sociedade de advogados o Código de Ética e Disciplina, no que couber.
§ 3º As procurações devem ser outorgadas individualmente aos advogados e indicar a sociedade de que façam parte.
§ 4º Nenhum advogado pode integrar mais de uma sociedade de advogados, com sede ou filial na mesma área territorial do respectivo Conselho Seccional.
§ 5º O ato de constituição de filial deve ser averbado no registro da sociedade e arquivado junto ao Conselho Seccional onde se instalar, ficando os sócios obrigados a inscrição suplementar.
§ 6º Os advogados sócios de uma mesma sociedade profissional não podem representar em juízo clientes de interesses opostos.
Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar.
Art. 17. Além da sociedade, o sócio responde subsidiária e ilimitadamente pelos danos causados aos clientes por ação ou omissão no exercício da advocacia, sem prejuízo da responsabilidade disciplinar em que possa incorrer.
 
Art. 33. O advogado obriga-se a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.
XI EXAME DE ORDEM UNIFICADO – TIPO 01 – BRANCA – 2013.2
1. Christiana, advogada recém-formada, está em dúvida quanto ao seu futuro profissional, porque, embora possua habilidade para a advocacia privada, teme a natural instabilidade da profissão. Por força dessas circunstâncias, pretende obter um emprego ou cargo público que lhe permita o exercício concomitante da profissão que abraçou. Por força disso, necessita, diante dos requisitos usualmente exigidos, comprovar sua efetiva atividade na advocacia.
Diante desse contexto, de acordo com as normas do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, assinale a afirmativa correta.
A) O efetivo exercício da advocacia comprova-se pela atuação em um processo por ano, desde que o advogado subscreva uma peça privativa de advogado.
B) O efetivo exercício da advocacia exige a atuação anual mínima em cinco causas distintas, que devem ser comprovadas por cópia autenticada de atos privativos.
C) A atividade efetiva da advocacia, como representante judicial ou extrajudicial, cinge-se a dois atos por ano.
D) O advogado deve comprovar, anualmente, a atuação em atos privativos, mediante declaração do Juiz onde atue, de três atos judiciais.
Gabarito: letra B.
No caso em testilha, pela disposição normativa do art. 5º do Regulamento Geral c.c. art. 1º do EAOAB, Lei 8906/94, à comprovação do efetivo exercício da advocacia exigir-se-á de Christiana a atuação anual mínima em cinco causas distintas, qual deve ser comprovada pela apresentação de (1) cópia autenticada de referidos atos privativos por ela praticado, (2) de certidão expedida por cartórios ou secretarias judiciais, ou ainda de (3) certidão expedida pelo órgão público no qual o advogado exerça função privativa do seu ofício, indicando os atos praticados.
 
REGULAMENTO GERAL DA OAB
Art. 5º Considera-se efetivo exercício da atividade de advocacia a participação anual mínima em cinco atos privativos previstos no artigo 1º do Estatuto, em causas ou questões distintas.
Parágrafo único. A comprovação do efetivo exercício faz-se mediante:
a) certidão expedida por cartórios ou secretarias judiciais;
b) cópia autenticada de atos privativos;
c) certidão expedida pelo órgão público no qual o advogado exerça função privativa do seu ofício, indicando os atos praticados.
 
EAOAB
Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I – a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;
II – as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.
§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.
§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.
2. Cláudio, advogado com vasta experiência profissional, é contratado pela sociedade LK Ltda. para gerenciar a carteira de devedores duvidosos, propondo acordos e, em último caso, as devidas ações judiciais. Após um ano de sucesso na empreitada, Cláudio postula aumento nos seus honorários, o que vem a ser recusado pelos representantes legais da sociedade. Insatisfeito com o desenrolar dos fatos, Cláudio comunica que irá renunciar aos mandatos que lhe foram conferidos, notificando pessoalmente os representantes legais da sociedade que apuseram o seu ciente no ato de comunicação. Dez dias após, a sociedade contratou novos advogados, que assumiram os processos em curso.
Observado tal relato, baseado nas normas do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB, assinale a afirmativa correta.
A) A comunicação da renúncia do mandato não pode ser pessoal, para evitar conflitos com o cliente.
B) A renúncia ao mandato deve ser comunicada ao cliente, preferencialmente mediante carta com aviso de recepção.
C) O advogado deve comunicar a renúncia ao mandato diretamente ao Juízo da causa, que deverá intimar a parte.
D) O advogado não tem o dever de comunicar à parte a renúncia ao mandato judicial ou extrajudicial.
Gabarito: letra B.
A renúncia ao mandato deve ser comunicada ao cliente, preferencialmente mediante carta com aviso de recebimeto. Assim, poderá sempre o causídico renunciar ao mandato  quando julgar conveniente ou por imperativo ético; outrossim, impõe-se o dever de renúncia sempre que o advogado sentir faltar-lhe a confiança do cliente.
O Estatuto e a legislação processual civil determinam que o advogado permaneça no pleno exercício do mandato durante dez dias após sua renúncia, período este facultado ao cliente para prover a sua substituição. Todavia, o advogado responde por qualquer prejuízo que causar ao cliente ou a terceiros no período citado, por dolo ou culpa. No entanto a consumação do prazo poderá ser dispensada face imediata substituição.[1]
Consumar-se-á a renúncia quando for regularmente notificada ao cliente, seja judicial ou extrajudicialmente. Não se admitirá, outrossim, renúncia genérica se houver mais de uma causa do cliente sob o patrocínio do advogado.
Por fim, a renúncia em determinadas circunstâncias representa uma imposição ética, como as previstas no Código de Ética e Disciplina, a saber:
a)                  Se o cliente tiver omitido a existência de outro advogado já constituído;
b)                 Se sobrevier conflito de interesses entre seus clientes, devendo optar por um dos mandatos, resguardando o sigilo profissional;
c)                  Se concluir que a causa é contrária à ética, à moral ou a validade de ato jurídico em que tenha colaborado;
d)                 Se o cliente impuser a indicação de outro advogado para com ele trabalhar na causa.
 
 
REGULAMENTO GERAL
Art. 6º O advogado deve notificar o cliente da renúncia ao mandato (art. 5º, § 3º, do Estatuto), preferencialmente mediante carta com aviso de recepção, comunicando, após, o Juízo.
 
EAOAB
Art. 5º O advogado postula, em juízo ou fora dele, fazendo prova do mandato.
§ 1º O advogado, afirmando urgência, pode atuar sem procuração, obrigando-se a apresentá-la no prazo de quinze dias, prorrogável por igual período.
§ 2º A procuração para o foro em geral habilita o advogado a praticar todos os atos judiciais, em qualquer juízo ou instância, salvo os que exijam poderes especiais.
§ 3º O advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo.

[1] "É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa." (Súmula Vinculante 14.)
[2] No decorrer de cada questão indicaremos a respectiva base legal,com sublinhados, negritos e itálicos nossos, bem como com a utilização das siglas:
EAOAB – Estatuto da Advocacia e a Ordem dis Advogados do Brasil
CED – Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil
REGULAMENTO GERAL – Regulamento Geral da OAB
[3]  Base legal utilizada: sítios eletrônicos do Planalto e do Supremo Tribunal Federal.
www.stf.jus.br/portal/legislacaoAnotadaAdiAdcAdpf/verLegislacao.asp?lei=375
www.planalto.gov.br

PACHECO, Felipe José Minervino. - TODOS DIREITOS RESEVADOS - OBRIGATÓRIO CITAR A FONTE

Habeas Corpus Coletivo Preventivo em favor dos manifestantes do 5º ato contra o aumento das tarifas do transporte público em São Paulo (17/06/2013, 17 horas)

Confira aqui a íntegra do pedido e da decisão do Tribunal de Justiça. https://www.dropbox.com/sh/f3t3ywp3cupgyrj/rTiu8uopEf/INICIAL%20E%20DECISAO%20-%20HC%205587%20PREVENTIVO%20GERAL.pdf

"O Estado é o último que pode perder a cabeça” - CARTA ABERTA, Márcio Thomaz Bastos

O criminalista Márcio Thomaz Bastos divulgou, em 17/6/2013, uma carta aberta assinada em conjunto com os advogados Luiz Armando Badin e Maíra Beauchamp Salomi sobre as prisões de manifestantes durante os recentes protestos contra o aumento das passagens de ônibus em São Paulo e em outras capitais.
Na carta, o criminalista e seus colegas observam que o papel das autoridades e agentes de segurança é justamente zelar pelo exercício da manifestação pública. Os advogados lembram ainda que apenas a polícia pode fazer uso da violência, mas que, mesmo assim, somente de “maneira legítima, proporcional e ordenada, isto é, sob o controle das autoridades eleitas para exercer tal responsabilidade”.
Para os advogados, os agentes do Estado tem o ônus de jamais poder ceder ao destempero ou irromper com ações irracionais, pelo contrário, em meio ao caos, são os primeiros que devem dar o exemplo.
“O comportamento arbitrário de alguns policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição, é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu próprio destino”, diz trecho da carta aberta.
 

"O Estado é o último que pode perder a cabeça”

As autoridades de segurança pública têm a responsabilidade de proteger o exercício do direito constitucional de manifestação pacífica. A sociedade se organiza politicamente em torno do Estado para realizar a Constituição, não para negar os seus pressupostos mais fundamentais. Todos os cidadãos têm a liberdade de se reunir para manifestar politicamente as suas reivindicações (artigo 5º, inciso XVI)1.
Cumprindo o seu dever de informar, a imprensa noticiou amplamente que, nos protestos populares da semana passada, alguns policiais teriam se excedido no uso da força, realizando prisões arbitrárias e agredindo manifestantes e jornalistas que simplesmente exercitavam os seus direitos fundamentais: aqueles de expressar as suas ideias políticas, estes de manter a sociedade informada sobre elas.
Uma conduta só pode ser considerada criminosa se for descrita numa lei (artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição). Ninguém pode ser preso se não estiver cometendo um crime (art. 5º, LXI)2. Ao que se saiba, não há nenhuma lei que proíba o “porte de vinagre” e o “uso de máscaras”, sobretudo quando se trata de proteger a própria integridade física.
As autoridades policiais estaduais não podem compactuar com detenções arbitrárias. Devem se ater, exclusivamente, aos casos de excessos individuais. É oportuno recordar que, quando o povo brasileiro saia às ruas para reconquistar o direito de eleger os seus próprios governantes, roubado pela ditadura, alguns manifestantes eram marcados com tinta, para serem “averiguados” e detidos mais adiante.
Isso não pode voltar a acontecer.
Bem ao contrário. Hoje, proibido é abusar da violência (art. 129 do Código Penal), por uma razão muito simples. Só a polícia pode empregá-la, desde que de maneira legítima, proporcional e ordenada, isto é, sob o controle das autoridades eleitas para exercer tal responsabilidade.
Caso elas falhem, sempre se pode pedir o amparo do Poder Judiciário, por meio do habeas corpus. Ele existe na Constituição justamente para assegurar a livre circulação dos brasileiros e para protegê-los contra todas as formas de excesso de poder.
Além de tecnicamente cabível, é correta a iniciativa dos estudantes, organizados em torno de seus centros acadêmicos, de impetrar medida judicial para prevenir que novos abusos e violências voltem a acontecer.
É óbvio que o texto da Constituição já assegura ampla proteção aos cidadãos, em novas manifestações pacíficas. Os fatos revelam, contudo, que esses direitos foram recentemente pisoteados. Quando há razões concretas para temer, a Justiça não pode se omitir na contenção da brutalidade.
O comportamento arbitrário de alguns policiais militares, que certamente não se afina com o comando da instituição, é incompatível com o que se espera das forças de segurança, num regime que respeita as leis e dá voz a quem quer, democraticamente, interferir no seu próprio destino. Delas se espera que estejam preparadas para enfrentar situações de tensão, por meio de treinamento adequado.
O Estado é o último que pode perder a cabeça."
1 “Artigo 5º, inciso XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.
2 Art. 5º LXI: “ninguém será preso, senão em flagrante delito, ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (…).
 
MÁRCIO THOMAZ BASTOS, LUIZ ARMANDO BADIN e MAÍRA BEAUCHAMP SALOMI são advogados que trabalham na cidade de São Paulo
 

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

OPEN GOVERNMENT - democracia participartiva e transparência governamental

We caught up with Denis Parfenov and Martin Wallace, two of the lead initiators of the campaign for Ireland to join the OGP. We asked them to share their reflections on the experience to date, and to share lessons, insights and advice for civil society advocates lobbying their governments to join the OGP.
“Ireland sees itself as a tech hub, but when it comes to governance, accountability and transparency, ICTs are being under-utilised. This is possibly due to a lack of awareness of how ICTs can improve engagement and bolster transparency between citizens and the state,” says Denis Parfenov, Open Knowledge Ambassador for Ireland, and initiator of a successful civic campaign for Ireland to join the Open Government Partnership.
My objective was to get the people of Ireland involved in the decisions that affect their lives. This was an opportunity to empower as many people as possible to be involved in the decisions affecting them. There is more to democracy than polling stations and voting every five years.
Denis Parfenov
Driving Change
When he found out about the OGP, Parfenov took it upon himself to campaign for the Irish government to join. He saw the OGP as an ideal vehicle for Ireland, able to accommodate a range of different areas that could increase openness, state accountability, and transparency in the decisions that affect citizens’ lives.
He quickly gathered a small group of interested individuals, including Martin Wallace, who met regularly to plan and strategise the campaign for Ireland to join the OGP. In the spirit of openness and transparency, agendas and minutes of the ad hoc group were posted online as Google docs. An Open Government Ireland group was established in March 2013 to ensure information was shared, and to encourage citizens to contribute to discussions.
Wallace points out that the political and economic backdrop meant citizens had lost faith in government. The global economic crash revealed poor policy-making, poor political leadership and deep-rooted economic problems in Ireland. The country lost its economic sovereignty in 2010. Irish banks were bailed out by the EU, the European Central Bank and the IMF due to poor decision-making by those in power. “Ireland was in a political and economic crisis and citizens felt disempowered,” Wallace adds.
“Even in this crisis context, there were few demonstrations or protests in Ireland,” notes Parfenov. “While organised business is able to lobby government, there is no equivalent lobby for citizens,” says Wallace. As a result, decision-making can favour business and override citizen interests. The OGP presents an alternative possibility of empowered citizens participating in the decisions that affect their lives, where the state is meaningfully accountable to its citizens.
Opening Data
Parfenov, who is at the forefront of the Open Data movement in Ireland, argues that efforts to push for the use of Open Data were not happening in Ireland, and that it continues to be a largely unexplored area. “For a country that sees itself as a technology hub, there is much that can be done to liberate data, using Open Source data driven apps to empower and inform citizens. We do so much using technology, including banking. Yet, using technology for citizen participation is limited.”
He and Wallace are involved in hosting informal Open Data Meet-ups bringing together the ‘techie’ community and state and other actors to exchange and explore ideas about making data openly available for improving the quality of citizens’ lives.
Parfenov’s guiding vision is of an open Ireland in which information is available for all, whether it is about the quality of hospitals, education, or public services. “My goal is to make information usable and useful. We want to empower people. We want information to be collective, for citizens to have access to information in useful formats. We want information to be published online in searchable, machine-readable, non-proprietary formats that are made available for re-use without restrictions. We want to empower everyone to make better informed decisions on a daily basis,” he says.
Open Lobbying
For Parfenov and the initial ad hoc group, using social media tools smartly was an obvious approach to ensure those in power knew of the initiative, understood its value in the Irish context, and wanted Ireland to join its peers in the OGP.
The strategic application of social media tools differentiates the Irish campaign as a case study of good practice, rich in lessons for civil society (CS) players in OGP member states and those lobbying for their countries to join the OGP.
The incumbent Irish Coalition Government came into power with commitments to meaningful reforms to substantially increase state accountability to citizens and transparency in decision-making. This meant a clear synergy in the manifestos of the political parties in government, and the objectives of the OGP.
Initially letters were written to Irish members of parliament to advise them of the OGP and to encourage them to support a campaign for Ireland to join.
“It’s easy to ignore an email. But if you use Twitter, it is public and visible. In Ireland most of our politicians use Twitter so it was an ideal vehicle for a campaign for Ireland to join the OGP community. If they ignore Twitter it can become embarrassing in a very public way,” Parfenov notes.
The campaign did not stop at letter writing and social media tweets. Every possible forum was used to reach and engage political leaders and their advisors who had the clout to open doors. Parfenov attended public gatherings on Open Data, enterprise development, innovation and digital agendas to create awareness and grow the OGP lobby. He used a specific Twitter hashtag at these meetings to spread the word and promote the OGP agenda.
The ad hoc group, through briefings and lobbying Irish members of parliament, secured a question asked in Parliament on four occasions, to find out why Ireland had not joined the OGP (when more than 50 of Ireland’s peers had). “We asked a member of parliament to find out what Ireland’s OGP plans were, and within a week the question was raised in the national parliament,” Wallace said. “The idea here was to raise awareness of OGP amongst our parliamentarians,” he added. Parfenov notes that the Irish parliamentarian, Stephen Donnelly played a particularly helpful behind-the-scenes role in linking the ad hoc group with the appropriate government players.
Securing Allies
The next step was to secure the support of countries that had a strong historical and economic relationship with Ireland. The UK and US, both founding OGP member states, were the obvious influential peers to share experience, advise and encourage Ireland to join. OGP Board Members were linked up with the Irish OGP advocates, and conference calls were placed connecting them with the UK Cabinet Office and the US State Department. Discussions were also held with Croatian and Moldovan counterparts who had valuable insights to share.
The conference calls served as an opportunity to share experiences and ‘how to’ strategies. “We were particularly keen to learn from those who came before us,” says Wallace. He credits support from the UK co-chair, the OGP Civil Society Coordinator and advice from member countries’ CSOs and government representatives for bringing Ireland to the point of joining the OGP.
“Without their advice, perspectives and direction, we wouldn’t be here. We looked to those ahead of us to learn from their experiences of what worked and what didn’t work. We adapted best practices from other country experiences to our local environment.”
Where does OGP fit?
It was not easy to identify which government ministry was the ‘appropriate’ one to target lobby efforts at. “Because OGP is a broad initiative, there isn’t one government ministry or department that covers all of it. This has been a challenge across OGP member countries.
In the UK, OGP is housed in the Cabinet Office. In the US it’s in the State Department. We learnt from other countries that housing it within a Department of Foreign Affairs (DFA) did not help to forward the OGP agenda sufficiently,” Wallace notes.
In June 2012, after much persistence, the ad hoc group was connected to the Department of Jobs, Enterprise and Innovation (DJEI). However, Minister Sean Sherlock felt that the Department of Public Expenditure and Reform (DPER) was a better fit to take the lead on OGP.
DPER houses complementary initiatives, including ethics reforms towards accountability and transparency for public office-bearers; new laws to protect whistle-blowers, regulate lobbyists and reform freedom of information laws. Meetings with senior advisors to the cabinet minister, Brendan Howlin, and other senior officials ensued.
“It took eleven months to find the right people. Once found, things moved along well and they were open to the idea. At present everything proposed to Government requires a business case. So we made a business case for OGP. We had to explain the economic benefits of OGP:  the stimulus Open Data can provide; the efficiencies Open Data can yield. It was important to stress the improvement to global perceptions which an ambitious OGP programme would bring, due to its knock-on economic benefits,” Wallace said. “And of course, the non-economic advantages that OGP brings were also communicated,” he adds.
At meetings with senior civil servants, including William Beausang of DPER, it became clear that while officials were, in principle, positively disposed towards OGP, they needed input to build a strong narrative in support of Irish membership.  “In the initial meetings with officials, we brought our own briefing documents. OGP is a complex concept that is not easy to immediately convey. We needed to break it down to make it simpler to present and understand,” Wallace adds.
In December 2012 the Minister of Public Expenditure and Reform announced in its budget speech that it recommended Ireland join the OGP, and in May 2013, a letter of intent was sent from Minister Howlin to the OGP co-chairs.
At this point other Civil Society groups including Transparency International Ireland (TII) began to see the appeal of the OGP for Ireland, and interest started to grow.
Wallace notes that one of the key lessons from this process was how much one individual or a small group can achieve. “It took persistence. For one year, Denis tweeted about OGP every day. He sent letters. He did research. He spoke at meetings. There’s an awful lot of progress one person can make,” he mused.
Open Ireland
Wallace points out that the OGP agenda requires Ireland to be pushed and stretched beyond what has already been done towards meaningful citizen engagement, access to useful and useable information, accountability and transparency. “So far our officials have displayed good intent. We will have to see what the CS consultations yield, and how Government responds to it. There are no guarantees.”
Parfenov reiterates important strategy advice for those working to forward OGP agendas in their countries: “The process is as important as the end result. The citizen engagement with Government needs to be as inclusive and open as possible.
Approaching public representatives and decision-makers in the public domain is a very important strategy. We used public events and opportunities to reach decision-makers. We used talking publicly, email, twitter and other available means of communication. We kept it public so the world can see.”
Following the successful lobby for Ireland to join the OGP, the Irish government issued an open tender for organisations to undertake the civil society consultation process. Transparency International Ireland, under the leadership of Nuala Haughey, won the tender to undertake and coordinate a consultation process with civil society/citizens.
Three civil society consultations took place in Dublin between July and September 2013. The physical consultations were supported by online submissions and discussions as part of the process of gathering CS input to inform Ireland’s OGP Action Plan.
In our next OGP Ireland article, Phase 2: The Civil Society Consultations, we discuss the consultation process and its outcomes with Nuala Haughey of Transparency International Ireland.
- See more at: http://www.opengovpartnership.org/blog/sarita-ranchod/2013/10/25/irish-experience-phase-1-campaign-join#sthash.mAUDU2Wh.zIQMdXmT.dpuf
 
"My objective was to get the people of Ireland involved in the decisions that affect their lives. This was an opportunity to empower as many people as possible to be involved in the decisions affecting them. There is more to democracy than polling stations and voting every five years."

Read more about #Ireland and the #OGP on the blog:

http://www.opengovpartnership.org/blog/sarita-ranchod/2013/10/25/irish-experience-phase-1-campaign-join#sthash.mAUDU2Wh.dpuf #opengov

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A COMPREENSÃO DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL EM HANNAH ARENDT

A COMPREENSÃO DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL EM HANNAH ARENDT

Fonte: http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b495ce63ede0f4ef
 
 
Gehad Marcon Bark
 Formado em Direito pelo Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba), acadêmico de Filosofia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e membro do Grupo de Pesquisa Direito, Sociedade e Cultura.
André Filipe Pereira Reid dos Santos
 
Sociólogo, Professor do Programa de pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e membro do Grupo de Pesquisa Direito, Sociedade e Cultura.

RESUMO
 
O presente artigo tem como objetivo precípuo examinar o fenômeno político da desobediência civil, conjugando alguns de seus aspectos conceituais ao estabelecimento de um possível estatuto de legitimidade, ambos calcados nos elementos ação e consenso dentro da comunidade política. Adota-se a concepção de ação no conceito de vita activa de Hannah Arendt como supedâneo para o desenvolvimento da idéia de desobediência civil, enquanto manifestação política que questiona normas despidas de conteúdo axiológico ou elaboradas em desconformidade com o consentimento dado pela sociedade civil à autoridade constituída e expresso pelo pacto constitucional. Cuida-se também de proceder ao exame daquilo que Arendt apresenta a respeito da ação como experiência fundamental do indivíduo na política para entender como as relações entre cidadãos ocorrem em meio à pluralidade que é característica desse contexto. Para isso, compreendem-se como essenciais para a vida política, também, as noções de poder, legitimidade, consentimento e promessa no interior do contexto político, enquanto figuras capitais para a articulação política do indivíduo. A liberdade será abordada a partir da percepção negativa apresentada por Isaiah Berlin, como elemento cuja função é limitar a ação em sua ilimitabilidade, enquanto condição para a plena possibilidade de participação ativa do cidadão na política. Assim, a desobediência civil, é percebida como manifestação que, para ser legítima, deve ser praticada a partir da observância dos princípios que estruturam a formação do corpo político. Nesse ponto, coloca-se ainda a necessidade de discernir a diferença entre a ação política e a ação baseada pelo julgamento moral do cidadão. Enfim, discute-se a necessária observância de princípios fundamentais oriundos do consenso político como critério de legitimidade das normas.
PALAVRAS-CHAVE: Ação; Comunidade Política; Consenso; Desobediência Civil; Liberdade Negativa; Princípios
 
 
 
ABSTRACT
 
 
This article has the main objective of examining the political phenomenon known as civil disobedience, allying the analysis of its conceptual notion to the formulation of its possible legitimacy, both built from the meanings of action and consensus in the political community. In order to do that, this work takes the concept of action from Arendt’s elaboration of vita activa as foundation to the development of the idea of civil disobedience as a political manifestation, that only challenges laws that are not based upon axiological content, or that were elaborated in discordance with the consensus given to the established authority and expressed by the constitutional pact. It is also necessary to discuss what Arendt proposes concerning action as the fundamental experience in a political background, in order to figure out how the relations between individuals take place among the inherent plurality of this kind of context. For this purpose, the concepts of power, legitimacy, consensus and promises are assumed as fundamental to articulate the political life of human beings. The notion of freedom
 
is tackled from the negative view defended by Isaiah Berlin, as element whose intention is to restrain the natural limitlessness of action and to grant the whole possibility of active participation in politics. As a result, civil disobedience is understood as a manifestation that must be based on the observance of principles that guide the edification of political community, as criterion of its own legitimacy. At this point of view, shows up as well the necessity of discerning the difference between the political action and the action based only on individual and moral judgment. Ultimately, it is discussed the crucial observance of basic principles shaped by political consensus as condition to the legitimacy of laws.
KEYWORDS: Action; Civil Disobedience; Consensus; Negative Freedom; Political Community; Principles
Ao erigir o conceito de vita activa, Hannah Arendt concebe a ação como fenômeno que estabelece, perpassa e define a vida humana na esfera política. É certo que inúmeras outras atividades humanas (compreendidas no conceito de vita activa) são também indissociáveis da noção de ser humano, mas apenas a ação é que confere algo essencialmentepolítico à existência e convivência entre homens. (ARENDT, 2010, p. 8) A capacidade de ação, fruto da pluralidade do campo político, em princípio paradoxalmente, é caracterizada pela igualdade entre indivíduos e pela singularidade de cada um deles no meio político, como condição pela qual a política existe e é possível. (ARENDT, 2010, p. 9)
Para os gregos, os homens seriam confrontados por duas ordens de existência, como assinala Arendt. Uma seria aquela constituída e vivida no âmbito do lar, ao passo que a outra, o bios politikos, seria experimentada na associação entre os homens do corpo político. Nessa segunda instância é que estaria localizado o fenômeno da ação, e, na mesma medida, o discurso, ambos como atividades estritamente ligadas ao domínio dos assuntos humanos. Não haveria, portanto, apenas o zoon politikon, mas um indivíduo cuja vida compreendia a interação em duas esferas distintas.
A condição para a vida política na pólis, e também a essência dessa espécie de associação, era a liberdade. Primeiramente a liberdade em relação ao âmbito privado da família, considerado como um fenômeno pré-político por representar um ambiente no qual era visada a satisfação das necessidades primordiais do ser humano.
 
Assim, visto que necessidade e liberdade eram condições mutuamente excludentes, para que o indivíduo pudesse ter participação na vida política, necessitava do desprendimento em relação às questões envolvendo sua vida privada. Mas a liberdade era também vivenciada sob um ponto de vista propriamente político compreendendo a igualdade entre os indivíduos para externar suas opiniões, para agir e para governar, no seio de "uma esfera na qual não existiam governar e ser governado." (ARENDT, 2010, p. 39)
Em contrapartida, como vista pela teoria política moderna, a igualdade guarda características calibradas muito mais de acordo com as noções contratualistas envolvendo as relações entre sociedade civil, Estado e a formação da autoridade política, mormente no tocante à importância da previsibilidade dos comportamentos individuais no âmbito do convívio humano.
Enquanto a igualdade no sentido grego traduz-se na plena liberdade de ação do indivíduo no campo político, entre os modernos há uma clara predileção por concepções que mitiguem a espontaneidade dessa ação em favor da adequação a padrões de comportamento e da redução da atuação política ao restrito âmbito da representatividade. Em outras palavras, no campo político, segundo a perspectiva moderna, com a consolidação e aprimoramento da noção de autoridade, o ser humano deve deixar de agir para apenas se comportar conforme uma série de regras postuladas.
Houve, portanto, substancial modificação no pensamento ocidental em relação à percepção dos fundamentos da existência do espaço públicodos homens, com o gradativo esfacelamento do caráter imperativo que nele preponderava e o deslocamento dessa esfera a uma posição de subordinação funcional. Na modernidade, passa a vigorar uma compreensão teleológica do político. Se Arendt afirma que, quanto "aos membros da pólis, a vida no lar existe em função da ‘vida boa’ na pólis" (2010, p. 45), para os modernos a política reserva-se à missão de garantir a segurança da vida privada por meio da regência dos assuntos do mundo no âmbito público.
Esta inversão do sentido da política foi causada pelo surgimento do campo social, que segundo Arendt passou a aglomerar o tratamento de questões que na Antiguidade diziam respeito ao indivíduo e suas necessidades domésticas. Entre os gregos a igualdade dos membros da pólis assegurava-lhes a possibilidade de ser visto e ouvido por todos, e também de partilhar uma opinião que seria respeitada por ser emitida por um indivíduo que se encontrava entre seus semelhantes. Mais especificamente, pode-se afirmar que a própria razão pela qual o indivíduo passava a compor este grupo era a vontade de "que algo seu, ou algo que tinha em comum com outros, fosse mais permanente que as suas vidas terrenas". (ARENDT, 2010, p. 67)
 
A percepção da política e dos temas tratados nesse domínio é consonante com o que se concebe por público dentro de uma comunidade. As questões tratadas neste espaço são vistas por todos, e permitem a apreensão de uma realidade constituída que pode ser conhecida pelos homens. Donde concluir-se, em última análise, que "a presença de outros garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos." (ARENDT, 2010, p. 61)
O público representa a existência e algo que é compartilhado pelos homens, notadamente quanto às relações que se constituem no próprio espaço de convivência permeado pela ação.
Como visto, contrapunha-se a este espaço o âmbito privado, cerne da preocupação com a mantença da família, de cunho econômico, onde as questões vividas pelo indivíduo permaneciam ocultas. O lar cumpria a paradoxal função de permitir o acesso à vida pública pela representação simbólica que alçava o homem à condição de libertação das necessidades da vida.
A confusão entre as questões atinentes a uma e outra esfera da vida, bem como a mudança na compreensão fundamental da política modernamente, é fruto de uma nova concepção acerca das relações que as questões econômicas estabelecem com o campo político. Arendt afirma que "quando se permitiu que essa riqueza comum, anteriormente relegada à privatividade dos lares, conquistasse o domínio público, as posses privadas [...] passaram a minar a durabilidade do mundo." (2010, p. 84)
Quando a política perdeu seu caráter de espaço para a realização da individualidade humana, destinando-se agora à solução de problemas privados, esfacelou-se seu mais imanente caráter de publicidade.
A partir da compreensão dessas diferentes noções do político, Arendt almejar encontrar o espaço do indivíduo na política para a plena realização de sua individualidade. Porque, entre os gregos, "o domínio público [...] era o único lugar em que os homens podiam mostrar quem realmente eram e o quanto eram insubstituíveis" (2010, p. 50) e a manutenção desse espaço para a individualidade dava sentido à coordenação dos assuntos públicos.
Em seu aspecto mais elementar, a ação traz consigo a capacidade de iniciar processos inteiramente novos, e "não apenas mantém a mais íntima relação com a parte pública do mundo comum a todos nós, mas é a única que o constitui" (ARENDT, 2010, p. 247), contrariando as leis que regem os demais processos naturais existentes.
 
O discurso a preenche de sentido, possibilitando a distinção entre os homens por meio da revelação no interior da pluralidade. A reunião dos homens entre si, pela ação e pelo discurso, acaba por constituir o plexo de relações humanas de atos e palavras que dizem respeito aos assuntos do mundo ("espaço-entre"). (ARENDT, 2010, p. 228) Ao inserir-se no
domínio humano, o desvelamento e o início desencadeiam processos inteiramente novos que, desprendidos do sujeito, redundam na descoberta do ser pela sua estória de vida3.
3 Na apresentação de Roberto Raposo de "A condição humana" para o português, utilizada como referência para este artigo, o termo "estória" (em oposição a "história") corresponde à palavra "story", empregada por Arendt no texto original em inglês para se referir aos relatos acerca das vidas dos indivíduos, produzidos a partir do exame das relações humanas que as permeiam. No mesmo texto, a palavra "history", traduzida como "história", assume o significado corrente de "conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade". (ARENDT, 2010, p. VIII)
4 "O lugar-comum, que já encontramos em Platão e Aristóteles, de que toda comunidade política consiste em governantes e governados (suposição na qual se baseiam, por sua vez, as atuais definições de formas de governo – governo de um ou monarquia, governo de poucos ou oligarquia e governo de muitos e democracia) baseava-se mais na suspeita em relação à ação que no desprezo pelo homem [...]." (ARENDT, 2010, p. 277)
 
Para Arendt, constitui-se um espaço de aparência entre os indivíduos, no qual a condição humana é plenamente realizada, distinguindo o homem de outros seres vivos como ser capaz de descoberta do mundo e de si mesmo.
O espaço de aparência constitui, então, o local onde os indivíduos agem e falam. Sua manutenção suscita como elemento agregador o fenômeno do poder, que é sempre potencial e que somente por conta da reunião de pessoas é possível. Se o ser humano, individualmente, em meio à pluralidade, é capaz de agir, então o poder traduz-se na capacidade exclusivamente humana que deriva do efetivo atuar conjunto. (2010, p. 60)
No pensamento político ocidental consolidou-se, então, a noção de que a melhor maneira para organizarem-se os homens seria alcançada pela cisão entre um espaço de governantes e outro de governados.
Nesta perspectiva, etimologicamente, desde a Antiguidade (especialmente em Platão e Aristóteles), há uma limitação do conceito de ação em prol da segunda versão da política. Isso fica claro na utilização das palavras gregas "archein (‘começar’, ‘liderar’ e, finalmente, ‘governar’) e pratein (‘atravessar’, ‘realizar’ e ‘acabar’)", e das latinas "agere (‘por em movimento’, ‘liderar’) e gerere (cujo significado original é ‘conduzir’)". (ARENDT, 2010, p. 236) Todas buscam designar a ação sob a dúplice perspectiva do início vinculado à pessoa do governante, e da execução dos atos destinada aos governados (mera reprodução).
 
Na busca pela limitação da instabilidade que perpassa o domínio dos assuntos humanos, ação e discurso foram subordinadas à noção de autoridade para o pensamento filosófico político, desde Platão e Aristóteles.4
Os elementos do início e da espontaneidade, que, somados ao sentido do discurso, eram tidos como indispensáveis ao convívio dos cidadãos livres na pólis, passam a vigorar como caracteres essenciais somente à atuação dos líderes governantes.
 
Segundo a concepção arendtiana, no entanto, a ação, no seu mais pleno sentido, constituinte do ser humano, não pode ser afastadasob pena da perda do sentido da política, embora desestabilize o domínio dos assuntos humanos. Surgem, então, a capacidade de fazer promessas como elemento dotado de um "poder estabilizador" (ARENDT, 2010, p. 303), e a faculdade de perdoar como remédio para a irreversibilidade da ação. O valor das promessas repousa na reciprocidade que necessariamente permeia o pacto, garantindo alguma previsibilidade à vida em comunidade.
O poder, agregando o espaço público e, assim, conferindo um sentido de realidade surge quando os homens agem de forma concertada, ou seja, quando se vinculam mediante promessas. A soberania é limitada precisamente pelo pactuado entre os homens, que, politicamente, são livres para agir, vinculando-se por meio das promessas estabelecidas.
Assim, como experiência fundamental dos homens, a ação é, no campo político, limitada pelas promessas pactuadas. A ação sempre permite um novo início e representa uma alternativa para subverter o fluxo das crises que se desencadeiam por processos naturais.
Mais fundamentalmente, já que não mais se concebem modelos distintos daqueles em que se separa governantes e governados, a ação no campo político, modernamente vinculada à noção de liberdade, significa "participar do governo". (ARENDT, 1988, p. 175) A participação transcende a mera abstração da representatividade democrática, cuja estrutura política revela crescente desinteresse dos governados pela coisa pública.
Em última análise, revela-se de absoluta importância a existência de um espaço para a manifestação, já que a ação sofre as limitações impostas pelos atuais modelos governamentais. Para Arendt, um dos exemplos mais significativos da ação política por excelência, nesta acepção, pode ser encontrado com a Comuna de Paris, no período que se seguiu à Revolução Francesa. (1988, p. 193) Cuida-se de exemplo da formação, espontânea como a ação, de um espaço público de manifestação e formação de opinião como nova forma de ação política.
Sob o ponto de vista político, na França constituíram-se verdadeiros espaços para a liberdade de ação, mas não apenas com a Comuna de Paris. Em todas as outras associações, reivindicando sua participação no governo, os indivíduos demonstravam que não somente poderiam, mas desejavam expressar suas opiniões em relação à atuação da autoridade pós-revolucionária. O mesmo é possível afirmar em relação aos soviets, na Rússia.
 
O fundamental, portanto, é a possibilidade de participação. Participação ativa que exigea preservação de certo núcleo de liberdades políticas essenciais do indivíduo, que no pensamento político concebe-se como um sentido "negativo da liberdade" (BERLIN, 2002, p.
228), o espaço de "não-interferência" usufruído pelo indivíduo, ou, inversamente, o plexo de limitações imposto a toda a sociedade e ao Estado, em relação ao indivíduo.
Mas a liberdade já foi encarada sob um aspecto "positivo", quando então passa a identificar o "desejo que o indivíduo nutre de ser seu próprio senhor" (BERLIN, 2002, p. 236). Segundo essa perspectiva, conforme Isaiah Berlin, inúmeras teorias culminaram por fundamentar muitos dos regimes políticos autoritários, na medida em que passam a condicionar o projeto de liberdade à atuação em prol de entidades supraindividuais (a classe, o partido, o Estado Nacional). (2002, p. 248)
Teoricamente, essas correntes projetavam um momento de "harmonia final, em que todos os enigmas são resolvidos, todas as contradições conciliadas". (BERLIN, 2002, p. 269) Na prática, a transposição denoções totalizantes para a práxis política da primeira metade do século XX possibilitou o surgimento de regimes totalitários, ao subordinar a liberdade a uma suposta marcha da história.
 
Segundo Berlin, nos conformes do que se construiu em torno da noção positiva do autodomínio pela razão como liberdade, supor que as "sínteses supremas" (2002, p. 272) serão alcançadas, possuindo um caráter unificador e totalizante dentro da sociedade, é conferir espaço para gradual destruição da tendência criativa do ser humano.
Por sua vez, "o pluralismo, com a dose de liberdade ‘negativa’ que acarreta" (BERLIN, 2002, p. 272), revela-se mais consentâneo com a vida em um contexto político que busque preservar o indivíduo em sua unicidade e em seu espaço inviolável para o agir político (condição que justifica a própria existência da política). Por esse segundo conceito, a liberdade não é ilimitada e não é entendida como o supremo valor a ser realizado na sociedade, pois, se relaciona com inúmeras reinvindicações importantes que nascem no seio da comunidade política.
Para Arendt, o poder de prometer constitui-se numa das limitações impostas à ação dentro da sociedade. A vantagem que essa forma de vinculaçãoproporciona é a possibilidade de alguma previsibilidade da ação humana, preservando-se, contudo, o grau de liberdade originalmente vivenciada no campo político.
É por meio das promessas que os indivíduos, unidos, agem concertadamente e adquirem poder, conservando suas identidades em meio à pluralidade de homens, mas ainda assim constituindo outra espécie de soberania, comunitária, muito superior em relação "à soberania daqueles que são inteiramente livres" (BERLIN, 2002, p. 305), por ser a única forma de manifestação autêntica da ação conjunta dotada de elevado potencial transformador.
Esta limitação imposta à ação, ao menos no que concerne à realidade dos governos constitucionais, é traduzida por leis positivas, que, permeando o domínio das relações humanas, se destinam "a erigir fronteiras e a estabelecer canais de comunicação entre os homens, cuja comunidade é continuamente posta em perigo pelos novos homens que nela nascem". (ARENDT, 1989, p. 517)
O contrato ou pacto é representado pela constituição adotada pelo povo, cujos princípios ou representam "categorias e conceitos morais fundamentais que são, pelo menos ao longo de grandes extensões de tempo e espaço [...] uma parte do que os torna humanos". (BERLIN, 2002, p. 272)
O contrato redunda na formulação de princípios, cuja origem pode ser encontrada, por exemplo, na crença em determinados valores e noções que historicamente se agregaram à identidade de determinados povos ou culturas. De uma forma um pouco mais conforme com a linha argumentativa adotada pelos teóricos do contratualismo, tais valores podem ter como fundamento aquele consenso que sucede o estado de natureza em favor da instituição do corpo político. (BOBBIO, 2008, p. 39)
Esses valores, assim como devem pautar a ação dos indivíduos no campo político, conferem às normas sua legitimide, que, enquanto atributo fundamental, "no seu significado genérico, tem aproximação com o sentido de justiça ou de racionalidade, algo justificado pelo entendimento." (GARCIA, 2004, p. 93)
Demanda-se o alcance de um conceito de norma que possa tanto se aproximar do ideal de satisfação das pretensões da justiça política, quanto da positividade exigida para assegurar o convívio em sociedade.
Sob um aspecto preliminar, concebida a liberdade do indivíduo para atuar de forma politicamente engajada (o que pressupõe a aceitação de alguns princípios elementares da sociedade), aquela norma que não for pautada nos valores mais caros à comunidade, é ilegítima.
Inevitavelmente, recorre-se, quando deste empreendimento, à argumentação em torno de alguma concepção de caráter jusnaturalista, mas num sentido suprapositivo, por meio de cuja concepção se possa submeter o ordenamento jurídico a uma crítica axiológica fundada no valor da pessoa humana, agregando ao ordenamento posto elementos que remetam a autoridade ao fundamento último do corpo político, qual seja, a vida digna do cidadão (uma vez que se concebe que, para o pensamento ocidental, a política agora deve ser condicionada a uma determinada finalidade).
Nesse ponto se coloca, portanto, o debate em torno da desobediência civil, sendo certo que à imperatividade das normas criadas contrapõe-se, de um lado, a crise de legitimidade da autoridade constituída que perpassa os ordenamentos e, de outro, a demanda cada vez maior de autonomia e garantia de liberdade para a atuação política dos governados, enquanto condições que são fundamentais para a própria realização da cidadania.
Se a elaboração da norma deve ser fundamentada por princípios, nas hipóteses em que isso não ocorre, o critério orientador da ação no campo político (notadamente quanto à desobediência civil e suas possibilidades dentro de contextos políticos) deve ser distinto daquele que embasa o mero agir moral5.
5 Thoreau, questionando o princípio democrático, afirma que a razão pela qual as decisões são tomadas de conformidade com a vontade expressada pela maioria, não é a de que "seja mais provável que tal maioria esteja certa, nem a de que isso pareça o mais justo à minoria, e sim a de que a maioria é fisicamente mais forte." (1968, p. 19) O autor confronta diretamente a regra da maioria e indaga acerca da possibilidade de existência de um governo em que o apelo à consciência seja expediente comum na função de sopesar a justiça ou injustiça das ações perante alguma comunidade. É bem verdade que o condicionamento das ações praticadas perante a comunidade apenas a critérios moralidade individual é expediente passível de ser submetido a inúmeras críticas. Diferentemente do que ocorre com a comunidade fundada no consenso, não há limites claros quando o indivíduo recorre apenas à consciência como parâmetro de escolha. Eis a razão pela qual análise da desobediência civil passa pelo crivo da ação política e dos princípios elementares estabelecidos pela comunidade.
 
Isso ocorre porque, segundo Arendt, "no centro das considerações morais da conduta humana está o eu; no centro das considerações políticas da conduta está o mundo." (2004, p. 220) Politicamente, cuida-se da percepção de que "vivo não só com outros, mas também com o meu eu, e que esse viver junto, por assim dizer, tem precedência sobre todos os outros." (2004, p. 221)
Pois embora a ação seja a experiência característica do indivíduo que age no campo político, mas nem toda ação, que proporciona os "novos inícios"(ARENDT, 2010, p. 222), e conjugada ao discurso permite a revelação do indivíduo para o mundo, pode ser encarada como uma ação política.
A pluralidade revela o indivíduo não apenas para o mundo, mas o revela também para si mesmo e possibilita o "diálogo entre eu e eu mesmo" (ARENDT, 1989, p. 528), fonte das considerações de caráter moral. Esse diálogo, entretanto, "não perde o contato com o mundo de meus semelhantes" (ARENDT, 1989, p. 528), e embora diga respeito à "questão da consciência" (ARENDT, 2004, p. 218), a ação que o adota como critério também é dada à experiência vivida no âmbito da pluralidade.
Não que isso demonstre que a moral não possa constituir critérios politicamente válidos de julgamento, pois há inúmeras situações em que "padrões políticos e morais e conduta podem entrar em conflito". (ARENDT, 2004, p. 221)
A "impotência" do homem (ARENDT, 2004, p. 223), fundamental para manutenção dos regimes totalitários, é exemplo de situação extrema em que todo espaço de aparência que conforma o domínio das relações concernentes aos assuntos humanos é eliminado, juntamente com toda a possibilidade de ação, para dar espaço à ideologia, ao impulso à consecução das leis da história e do movimento totalitário6.
6 É importante notar que Thoreau (1968, p. 14), ao escrever seu ensaio político sobre a desobediência civil em 1848, desloca a atenção de sua reflexão muito mais para o problema da consciência individual dos cidadãos que se submetem à autoridade de um governo. Embora seja sugerida uma forma de interferência com possibilidade reflexos no campo político, deve-se observar que, sob o enfoque da fundamentação e dos objetivos da desobediência civil, orientam a manifestação, respectivamente, o julgamento moral do indivíduo e sua consciência. Para Thoreau, negar apoio ao Estado pela desobediência da lei (ainda que isso faça de forma isolada e não acarrete as desejadas mudanças nas políticas tidas como iníquas) é a maneira pela qual o indivíduo pode encontrar para agir de acordo com seus próprios princípios numa situação em que a injustiça é institucionalizada.
 
Por outro lado, se é plausível concluir que há um espaço para os indivíduos manifestarem suas opiniões e que há preceitos fundamentais que orientam a vida política, o recurso à moral é desnecessário. Se há alguma lei iníqua (diga-se, fruto de concepção outra que não o consentimento), a própria estrutura política, nos limites dos princípios básicos adotados, permitiria o respectivo questionamento por meio da ação.
Quando agem em conjunto, ou seja, em meio à pluralidade que permeia a condição humana, os homens adquirem poder e, da mesma forma que concedem autoridade a determinada instituição, podem retirá-la. É na "presença da faculdade de prometer e de perdoar, criadoras das ilhas de certeza necessárias para a estabilidade do agir conjunto" (LAFER, 2009, p. 223) que o fenômeno do poder mantém a durabilidade do "espaço-entre", possibilitando a existência do domínio dos assuntos humanos.
O consentimento é a expressão fundamental do acordo estabelecido entre os indivíduos e, do ponto de vista teórico, da mesma forma como é concebida a ação em relação à política, é manifestação "inerente à condição humana" (ARENDT, 2008, p. 79) na medida em que demonstra resguardar o germe do seu contrário correspondente: a possibilidade de divergência dos governados.
Para Celso Lafer, quando Arendt traz suas reflexões sobre o consentimento para a formação da comunidade política, o faz buscando demonstrar que "a constituição é uma convenção, em que a contingência é uma virtude, pois a verdade da lei repousa no consenso geral da comunidade". (LAFER, 2009, p. 225) As leis positivas, por conseqüência, erigem a fronteira necessária entre os indivíduos, preservando-os em suas liberdades para agir em meio à pluralidade do ordenamento político.
Os sistemas legais, calcados fundamentalmente em promessas, são projetados para estabilizar as relações humanas. As manifestações de desobediência civil representariam, na modernidade, a crescente erosão da autoridade constituída, acompanhada pelo esclarecimento dos contestadores quanto ao seu papel fundamental na política.
O Direito é (ou pelo menos deveria ser) permeado por valores necessariamente ligados aos processos históricos que acompanharam a formação de uma dada comunidade e suas normas, que dotadas de um fundamento, prescrevem deveres dentro da comunidade adequando-se à realidade histórica que buscam ordenar.7
7 Na mesma linha, Eugen Ehrlich (1986), considerado um dos pais-fundadores da sociologia do direito, vai afirmar que a interpretação do direito deve ser sempre feita com os olhos do presente para que os mortos não governem os vivos, estabelecendo uma crítica à lei como letra morta que está sempre referida ao passado e que pode ser vivificada a partir de uma interpretação consoante com os valores presentes no contexto histórico em que vivem os intérpretes e destinatários do direito. Essa crítica ehrlichiana aponta para as limitações da Escola Histórica e estabelece o fundamento realista (preocupado com a realidade social) da sociologia do direito.
8 Para Ehrlich, austríaco que em seu contexto além de questionar o historicismo jurídico alemão preocupava-se também com o avanço do positivismo jurídico kelseniano, o direito codificado não acompanha as mudanças sociais e o direito produzido na própria prática social (direito vivo), percebendo (e definindo) o direito como cultura jurídica produzida (e reproduzida) na comunidade. (SOUZA; SANTOS, 2012)
A assombrosa velocidade com que ocorrem mudanças nas comunidades, por sua vez, é fator que condiciona, invariavelmente, o surgimento de focos de insatisfação no seio da comunidade, mormente quando demonstra do que o aparato legal se depara com severas dificuldades na sua tentativa de adequar suas prescrições à realidade concreta da comunidade.8
Não raro, inúmeras expectativas que, examinadas sob a ótica dos princípios fundamentais adotados, são legítimas, não encontram o devido amparo na legislação vigente. A conseqüência é a atuação dos governados na busca das modificações desejadas, como demonstram, por exemplo, os inúmeros avanços alcançados no campo da legislação trabalhista por todo o mundo no início do século XX, após longos períodos de disputa política.
O conflito entre as noções de legalidade e legitimidade se agrega a esse contexto. As normas, despidas de um conteúdo normativo fundamental (que, então, não se pode afirmar sejam fruto do consenso humano), são apenas formalmente jurídicas.
Conforme Arendt, a explícita manifestação do pacto original como fonte de obrigações políticas que exige o consenso, pressupõe também a consciência dos cidadãos quanto à sua imanente possibilidade de dissentir.
Todo contrato (e as promessas são constituintes de alguma espécie de contrato), é estabelecido mediante certas condições originais estabelecidas, cuja inobservância rompe a
reciprocidade inerente que caracteriza tal experiência e garante a previsibilidade no domínio tanto político quanto social das relações humanas9. Eis um dos possíveis limites à obediência dos governados.
 
9 Em Ehrlich também há essa possibilidade de rompimento do pacto social mínimo da sociedade com o estado (constituição), devolvendo à sociedade a primazia sobre o estado (e o direito), que fora perdida com o avanço do positivismo jurídico de matriz kelseniana-weberiana, que identifica o direito de uma sociedade com o direito estatal, confundindo legitimidade (social) com legalidade (formal). Para Ehrlich (1986), a sociedade é anterior ao estado (grafado em minúsculo para restabelecimento da isonomia dos contratantes) e não pode perder as rédeas da produção do direito.
Segundo Arendt, na "Constitutio Libertatis norte-americana" (1988, p. 113), o consenso e a possibilidade de dissentir representavam os princípios básicos da ação política, que encontraram sua principal expressão na atuação das associações voluntárias pós-revolução.
 
Destacando a importância desses núcleos de associação para a vida política, Arendt afirma que há enorme identidade entre a situação política norte-americana e os movimentos de desobediência civil, ao asseverar que "os contestadores civis não são mais que a derradeira forma e associação voluntária, e que deste modo eles estão afinados com as mais antigas tradições do país". (2008, p. 85)
Daí a interpretação da desobediência civil como fenômeno político vinculado aos conceitos de ação e poder, e à crescente consciência acerca da insuficiência do Direito para ordenar toda a complexa trama que acompanha a vida em comunidade. Para Arendt, a desobediência civil se manifesta quando a sociedade civil ou chega à conclusão de que as mudanças reivindicadas não serão alcançadas pelos processos políticos normais, ou se defronta com ações do governo constituído "cuja legalidade e constitucionalidade estão expostas a graves dúvidas". (2008, p. 68)
No que concerne à ação e o poder, Lafer salienta que a percepção quanto ao liame existente entre as associações voluntárias e a desobediência civil é paradigmática. Conscientemente manejada e, mais a fundo, amparada por um fundamento político, a desobediência civil apenas funciona se "várias pessoas concordarem com um curso comum de ação." (LAFER, 2009, p. 232)
Percebe-se nesse ponto, portanto, a razão pela qual a distinção dos conceitos de consciência moral e ação política possuem importância fundamental no pensamento de Arendt, pois, "não é na consciência individual e numa filosofia da subjetividade que se fundamenta a desobediência civil". (LAFER, 2009, p. 231)
Percebe-se a vinculação entre a ação enquanto experiência que necessariamente se realiza em meio à pluralidade de indivíduos, e a associação voluntária, como a maneira pela qual os contestadores, agindo em concerto, almejam promover as mudanças nas políticas públicas existentes.
Ademais, a desobediência civil, enquanto manifestação característica das manifestações de poder, dotada de sentido pelo discurso que a ampara e humaniza, enquanto argumentação política que é, caracterizada pelo potencial transformador inerente à ação do ser humano que age, é não-violenta.
Segundo Lafer, trata-se de um fenômeno que "tem como fundamento a possibilidade de dissentir", elemento essencial do consentimento consciente para a criação do espaço público onde ocorre a interação humana, "que deriva da aptidão humana para agir em conjunto, graças à qual se gera poder, inclusive fora dos quadros institucionais vigentes". (2009, p. 233)
Pois o poder, como fenômeno distinto daqueles que são expressos pelas palavras vigor, força, autoridade e violência (ARENDT, 2009, p. 59), é a capacidade de agir concertadamente. Essa noção permeia a concepção contratualista horizontal do Estado, de onde se concebe que o poder da autoridade é, consensualmente, estabelecido pelos governados.
Segundo Arendt, nesse sentido, poder e violência seriam de tal maneira opostos que, "onde um domina absolutamente, o outro está ausente" (2009, p. 73-74), pois o poder surge naturalmente onde os homens agem concertadamente, ao passo que a violência, dependendo da "atomização social" (2009, p. 72) e da eliminação da possibilidade de agir conjunto, representa a desagregação do campo político.
A desobediência civil, como ação conjunta, traria consigo a possibilidade de transformar por ser produto do poder que se erige nas relações empreendidas pelos homens, como contrário da violência, que decorre da arbitrariedade e elimina a possibilidade de ação movida pelo consenso.
Portanto, a desobediência civil, no pensamento de Arendt, se comporta como uma manifestação que, dentro do contexto da pluralidade que caracteriza a política (pautando-se sempre pelos princípios que fundamentam o pacto constitucional), traz no seu íntimo a "possibilidade de resgatar a faculdade de agir e, desta maneira, como resistência legítima à degenerescência da lei que corrói uma comunidade política, impedindo a gramática da ação e a sintaxe do poder." (LAFER, 2009, p. 234)
Demonstrando o engajamento político do cidadão consubstanciado na plena ação transitando entre consentir e divergir (que somente existem, de fato, na presença um do outro), com vistas às determinações do pacto fundamental elaborado para a instituição da comunidade, "a desobediência civil, sendo a expressão de um empenho político, não é a rejeição da obrigação política, mas a sua reafirmação." (LAFER, 2009, p. 234)
Para Lafer, ainda, a elaboração de Arendt parece adequada a uma aplicação concreta, pois parte da concepção de que a cidadania é um dado que deve ser construído de fato, pelo "acesso ao espaço público e o vínculo de cidadania." (2009, p. 235)
Portanto, é possível associar a concepção de um Estado estruturado por princípios fundamentais previstos numa Constituição a uma compreensão de participação ativa que, articulada sobre as bases do consenso, busque por meio da constante inserção do indivíduo no campo político a construção de uma sociedade que proporcione melhores condições de vida para todos.
A desobediência civil, embasada nos valores fundamentais da comunidade, não somente representa a crença nesses princípios (cuja função é dotar o ordenamento de paradigmas valorativos), como revela a profundidade da fidelidade dos contestadores ao ordenamento.
Mas a desobediência civil como ação não prescinde de fundamentação por princípios estruturantes do sistema político, derivados do processo de formação da comunidade política pelo consenso, assim como é capital a sua concepção como experiência resultante da interação no espaço político (e, portanto, da essência do próprio homem enquanto ser humano) que transcende as limitações impostas pela representatividade política característica do pensamento ocidental.
Essa dualidade, englobando tanto a existência de um corpo político fundamentado em princípios, quanto a manutenção de um status de cidadania (limitado pelas promessas e pelas leis positivas, nos conformes da noção de liberdade negativa), permite a inserção e compreensão da desobediência civil como manifestação legítima no âmbito político.
 
Por consequência, é da própria legitimidade da norma jurídica de que se cuida, sob a perspectiva da apreensão daqueles ideais sociais consensualmente partilhados, cujo conteúdo valorativo é dotado da função de estruturar o ordenamento jurídico-político.
A desobediência civil como ação concertada, amparada nos valores fundamentais da sociedade, enquanto núcleo de onde emana o poder para a transformação, proporciona o resgate da vida política do indivíduo por meio da participação direta e efetiva na definição e na adequação das normas da comunidade.
REFERÊNCIAS
 
 
ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo: 11. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2010.
ARENDT, Hannah. Crises da república. Tradução de José Volkmann: 2. ed.São Paulo: Perspectiva, 2008.
ARENDT, Hannah. Da revolução. Tradução de Fernando Dídimo Vieira: São Paulo: Ática; Brasília: Ed. UnB, 1988.
ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. Tradução de Roberto Raposo: São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
ARENDT, Hannah. Responsabilidade e julgamento. Tradução de Rosaura Eichenberg: São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Tradução de André de Macedo Duarte: Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios. Tradução de Rosaura Einchenberg: São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. Tradução de Denise Agostinetti: 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
GARCIA, Maria. Desobediência civil: direito fundamental. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
EHRLICH, Eugen. Fundamentos de Sociologia do Direito. Tradução de René Ernani Gertz. Brasília: Ed. UnB, 1986.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
SOUZA, Eduardo Emanoel Dall’Agnol de; SANTOS, André Filipe Pereira Reid dos. Direito e Sociedade em Kelsen e Ehrlich. Em: FARO, Júlio Pinheiro; BUSSINGER, Elda Coelho de Azevedo. A diversidade do pensamento de Hans Kelsen. 2012. (no prelo)
THOREAU, Henry David. A desobediência civil e outros ensaios. Tradução de José Paulo Paes: São Paulo: Cultrix, 1968.